Benigna Villas Boas

PRÁTICAS AVALIATIVAS NO CONTEXTO DO TRABALHO PEDAGÓGICO UNIVERSITÁRIO: FORMAÇÃO DA CIDADANIA CRÍTICA[1]

 

PRÁTICAS AVALIATIVAS NO CONTEXTO DO TRABALHO PEDAGÓGICO UNIVERSITÁRIO: FORMAÇÃO DA CIDADANIA CRÍTICA[1]

Benigna Maria de Freitas Villas Boas

Professora emérita da UnB

Publicado em 2004

Para início de conversa …

Em um artigo publicado no Correio Braziliense de 16 de fevereiro de 2003, Bárbara Freitag comenta os resultados de uma pesquisa que integrou a tese de doutorado de Luciano Fedozzi, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul no dia 31 de janeiro de 2003, de cuja banca examinadora ela fez parte. Com o título de “A construção da consciência social no orçamento participativo de Porto Alegre”, a tese partia da hipótese central de que “o tempo de participação de integrantes dos vários conselhos do Orçamento Participativo (PO) teria promovido o desenvolvimento da consciência social dos participantes”. Subjacente a essa hipótese, encontrava-se outra ainda mais ousada, assinala Freitag: a própria instituição do OP estaria funcionando como uma instituição de socialização secundária (tipo escola, partido, lugar de trabalho), exercendo um efeito compensatório na formação da consciência social.

Isso quer dizer que, quem não teve tempo de cursar a escola regular ou profissionalizante ou não teve chance de ser conscientizado dentro de um partido, formaria – atuando no OP – uma consciência social igual ou até mesmo mais avançada que os que tiveram curso secundário ou universitário começado ou completo. Além disso, quanto mais tempo um participante atuasse nas diferentes instâncias do OP, tanto mais elevados seriam os níveis por ele alcançados na escala da consciência social.

Fedozzi construiu uma escala de desenvolvimento cívico – pré-cidadania, cidadania conformada e cidadania crítica – com base nos estágios do desenvolvimento moral e democrático de Piaget e Kolberg. Os quase 300 integrantes da pesquisa foram submetidos aos testes desenvolvidos por esses autores. Com base no tempo de participação no OP foram criados quatro subgrupos: os participantes com menos de dois anos de atividades no OP, os com mais de oito anos de atividade e dois grupos intermediários.

Segundo a análise elaborada por Freitag, embora os resultados mostrassem leve tendência de aumento da consciência social em função dos anos de participação no OP e indicassem que os mais baixos níveis de consciência social se aglomeravam em torno do grupo com pouco tempo de experiência no OP, a verdadeira variável causal revelou-se a da escolaridade. Isso quer dizer que, somente quem tinha (ao entrar no programa do OP) uma escolaridade igual ou superior ao nível secundário e universitário, demonstrava (depois de oito anos e mais de OP) ter desenvolvido consciência social autônoma.

Em contrapartida, mais de 33% dos integrantes do OP com pouca ou nenhuma escolaridade, mesmo ficando oito anos no programa do OP, não modificaram sua consciência social, permanecendo no grupo daqueles que Fedozzi caracterizou como o da pré-cidadania.

Freitag comenta que esses resultados comprovam, mais uma vez, a importância da escolaridade na formação da cidadania. Ressalta a autora que a pesquisa

deixou claro que quem exerce a cidadania em grêmios e conselhos de programas como o OP, trazendo um capital educacional significativo (ensino médio ou universitário completos) via de regra aproveita a experiência e eleva o seu nível de consciência cidadã, aprendendo com facilidade as regras democráticas, tornando-se representante e líder em conselhos e outras associações, participando ativamente de decisões e exercendo plenamente uma cidadania crítica. Nesse caso, sim, o tempo de participação no OP constitui uma variável de reforço significativo da consciência social (FREITAG, 2003, p. 5).

Em contrapartida,

aqueles com baixa ou nenhuma escolaridade podem até mesmo participar regularmente e por muitos anos das atividades, mas não compreendem bem as regras do jogo, não são nomeados para cargos representativos e não participam ativamente das decisões por não terem condições cognitivas de aproveitar a experiência para elevar seus níveis de consciência. Constituem a categoria dos pré-cidadãos ou, no máximo, constituem-se cidadãos conformados, que pouco inovam ou alteram o quadro da democracia participativa ainda não plenamente institucionalizada (FREITAG, 2003, p. 5).

Freitag conclui que os resultados da pesquisa sobre a construção da consciência social no orçamento participativo de Porto Alegre dão muito a pensar,

pois deixam claro que o ativismo político, apesar de ter seus méritos e em muitos casos ajudar a elevar a auto-estima dos ativistas, não basta para garantir o pleno exercício da democracia. Esse pressupõe competências morais, cognitivas e lingüísticas, cujas bases são adquiridas na infância, mais especificamente na idade escolar. Para que tenhamos “cidadãos críticos” no futuro, precisamos criar no dia-a-dia as bases da consciência social no presente: em outras palavras, assegurar a escolaridade plena e de qualidade para todas as crianças brasileiras (FREITAG, 2003, p. 5).  

Até aqui foi apresentado o relato dos resultados da pesquisa feito por Bárbara Freitag, assim como a análise muito bem construída por ela. É intenção deste texto estabelecer relação entre a formação da consciência social e a organização, desenvolvimento e avaliação do trabalho pedagógico universitário. Embora Freitag ressalte a necessidade de criação das bases da consciência social por meio da escolaridade plena e de qualidade para todas as crianças brasileiras, o trabalho pedagógico na universidade não se exime dessa responsabilidade. A formação da cidadania começa na infância, mas não termina aí. A universidade dá continuidade a essa formação. Além disso, é na universidade que se formam professores e demais profissionais da educação. Portanto, o trabalho pedagógico por ela realizado é de fundamental importância. Mas o que vem a ser trabalho pedagógico?

Entendendo o trabalho pedagógico universitário

A expressão “trabalho pedagógico” refere-se ao trabalho concebido, executado e avaliado por professores e alunos. Trata-se de um trabalho desenvolvido em parceria e não de um “processo ensino-aprendizagem” em que somente o professor ensina e apenas o aluno aprende. Discutindo os problemas enfrentados pelos cursos de licenciatura, Demo afirma que

O pior vício está na preservação da postura de docentes que “apenas ensinam”, porque “apenas aprenderam”. Literalmente se preparam para transmitir conhecimento copiado, como se isto fosse algum “preparo”. Impera ainda o esquema exclusivo “ensino/aprendizagem”, signo de um tempo autoritário e reprodutivo, no qual se imaginava um “professor” que vinha das alturas, para ensinar a plebe ignara e rude. Esconde-se aí, ademais, um messianismo fossilizado, que confunde facilmente educação com sacerdócio, em vez de fazê-la profissão estratégica (DEMO, 1992, p. 33).

Continuando sua argumentação, Demo (op. cit., p. 33) comenta que “tanto é falso conceber o professor como alguém que meramente ensina quanto é falso conceber o aluno como alguém que meramente aprende”, porque cabe também ao aluno produzir ciência, isto é, fazer o mesmo que o professor, só que em estágios diferenciados. Acrescenta o autor que o “pedagógico” na aula está “sobretudo no horizonte emancipatório de ocupação de espaço próprio via pesquisa e elaboração própria”.

Em obra mais recente, Demo (2000, p. 85) aponta a necessidade de se definirem os professores como profissionais da aprendizagem, “superando a pecha do mero ensino”. Propõe que os professores encarnem o exemplo da “aprendizagem reconstrutiva política da maneira mais inequívoca possível”. Segundo ele, essa realidade existe nas universidades devotadas à pesquisa: os professores pesquisam, produzem conhecimento rotineiramente e se percebem como professores porque sabem reconstruir conhecimento com qualidade formal e política[2]. Cumprem o que ele denomina de “mandato pedagógico”, isto é, formar novas gerações, já que sabem “compor a face científica com a face pedagógica da pesquisa”. E mais: “não trabalham apenas o lado formal do manejo do conhecimento, mas igualmente o lado político da cidadania especificamente instrumentada pelas habilidades do conhecimento”. Não se trata de qualquer cidadania, explica o autor, mas daquela que se funda no conhecimento, sendo, portanto, a cidadania da sociedade do conhecimento. Nesse ponto nos encontramos com a análise feita por Freitag sobre o grande achado da pesquisa de Fedozzi em Porto Alegre. Essa cidadania a que Demo se refere é a cidadania crítica, cujo desenvolvimento cabe à universidade por meio do trabalho pedagógico nos diversos cursos, disciplinas e demais atividades.

Avançando a discussão, Demo (op. cit., p. 85) combate o “instrucionismo pedagógico”, que “atrela o professor a posturas reprodutivas, cristalizadas sobretudo na aula como expediente didático central”. Comenta o autor que, enquanto em ambientes mais arejados e atualizados se utilizam a pesquisa e a elaboração própria como forma de reconstrução do conhecimento, as instituições de formação de professores mantêm propostas antigas, como a aula convencional. Essa aula reprodutiva, diz ele, é “função do professor reprodutivamente deformado. Assim foi socializado, assim vai socializar” (op. cit., p. 86). Embora o autor seja contundente em sua crítica, cabe ressaltar que ela não pode ser generalizada. Há pesquisas que evidenciam avanços no trabalho pedagógico desses cursos de formação de professores e demais profissionais da educação.

Demo discorre sobre as inconveniências da aula reprodutiva: reduz o aluno a ouvinte, impede que ele reconstrua as propostas de trabalho, porque já as recebe prontas, não possibilitando, conseqüentemente, a formação da autonomia. O autor é severo em sua crítica: “escutar professor, tomar nota e fazer prova indicam, hoje, a falência total do sistema educativo, porque não há nada de educativo nisso”. O que sempre houve e persiste é o poder do professor de aprovar e reprovar os alunos. Se esse poder não existisse, talvez grande parte dos professores ficasse nas salas de aula falando sozinhos, conclui Demo.

Adverte o autor (op. cit., p. 86) não ser necessário acabar com a aula, mas considerá-la “tática suplementar”. Como “suplementar” diz respeito a “suprir o que falta”, ao “que se acrescenta como suplemento, adicional”, prefiro adotar outro entendimento para o que se convencionou chamar de “aula”, até hoje considerado o principal evento do trabalho pedagógico realizado pela universidade. A aula tem acontecido em espaços e tempos convencionais, organizados burocraticamente, geralmente sem serem ouvidos professores e alunos, para o desenvolvimento de um trabalho não-diferenciado, isto é, todos os alunos aprendendo os mesmos conteúdos, ao mesmo tempo, desenvolvendo as mesmas atividades e sendo avaliados da mesma forma. A mesma “aula” costuma ser “dada” em várias turmas do mesmo nível, como se os alunos fossem todos iguais. Daí surge a expressão “sala de aula”, designando esse espaço e o tempo destinados às atividades de aprendizagem. Até a arquitetura da “sala de aula” não costuma ser encomendada pelos protagonistas do trabalho pedagógico universitário. E esse espaço físico condiciona as atividades ali realizadas.

O mais importante não é a palavra usada, “aula”, mas o significado e as finalidades atribuídas ao encontro de professores e alunos e de alunos/alunos. O que preside a organização desses tempos e espaços é a intencionalidade do trabalho pedagógico: que concepção de educação é adotada? Que tipo de cidadão se pretende formar? Para reproduzir ou produzir conhecimento? Que tipo de relação se pretende estabelecer: de interação ou de imposição? A partir disso se define o trabalho a ser desenvolvido: seu conteúdo, sua metodologia, seus objetivos, as atividades, o cronograma, os tempos, os espaços, o processo de avaliação.

Diferentemente da aula reprodutiva, criticada por Demo, a aula criativa ou inovadora, como a chama Veiga, exige a existência de sujeitos, isto é,

protagonistas que analisam, problematizam, compreendem a prática pedagógica, produzem e difundem conhecimentos. O professor é protagonista porque ele é quem faz a mediação do aluno com os objetos do conhecimento. O aluno também é protagonista porque é considerado como sujeito da aprendizagem e, conseqüentemente, sua atividade cognitivo-afetiva é fundamental para manter uma relação interativa com o objeto do conhecimento (VEIGA, 2001, p. 147).            

Em um texto em que apresentam resultados de uma investigação sobre a aula universitária como espaço de inovação nos processos de ensinar, aprender e pesquisar, Veiga, Resende e Fonseca (2000, p. 175) afirmam ser ela:

– a concretude do trabalho docente propriamente dito, que ocorre por meio da relação dialógica entre professor e alunos;

– o locus produtivo de aprendizagem;

– o encontro do professor com o grupo de alunos.

Nesse encontro estabelece-se a relação pedagógica como vínculo libertador que propicia o exercício da autonomia. Durante a aula professores e alunos “criam e recriam o processo educativo: tomam decisões quanto a concepção, execução, avaliação e revisão do processo de ensinar, aprender e pesquisar, alicerçados pela pesquisa” (VEIGA, RESENDE e FONSECA, 2000, p. 176).

Com base nas evidências obtidas pela investigação acima mencionada, as pesquisadoras elaboraram algumas características de ensinar, pesquisar e aprender que podem contribuir para a compreensão da aula universitária como um espaço possível para a inovação. Essas características são assim sintetizadas:

– encontram-se em constante movimento, desenvolvem-se historicamente e sem interrupção;

– propiciam instigação e descobrimento;

– trabalham com as múltiplas tensões presentes na auto-atividade do aluno;

–  favorecem a relação pedagógica horizontal;

– asseguram a estreita relação ensino-pesquisa com o trabalho como princípio educativo;

– são atividades coletivas permeadas por intencionalidade;

– atribuem à pesquisa importante espaço de mediação entre ensinar e aprender (op. cit., p. 189).

A concepção de trabalho pedagógico como as atividades realizadas conjuntamente por professores e alunos exige a organização de tempos e espaços de aprendizagem condizentes com a natureza e a especificidade desse trabalho. A aula em si não é o mais importante, mas o que ela representa em termos de produção do conhecimento. A centralidade não está na aula, mas no trabalho que se quer desenvolver, destacando-se sua intencionalidade.

Esse entendimento valoriza a pessoa e o trabalho do professor, que deixa de ser o “profissional do ensino” para ser o “profissional da aprendizagem”. Para isso torna-se necessário que ele: estude com afinco sempre renovado as teorias e práticas pós-modernas de aprendizagem e seja o exemplo de quem sabe aprender para poder fazer o aluno aprender (DEMO, op. cit., p. 91).

Nisso consiste o trabalho pedagógico universitário: professores e alunos trabalhando com vistas à aprendizagem de ambos, por meios variados, segundo a natureza e especificidade de cada curso/disciplina/atividade. Nesse sentido, professores e alunos são protagonistas do trabalho pedagógico.

Para a sua dissertação de Mestrado em Arquitetura, defendida na Universidade de Brasília no dia 25 de abril de 2003, com o título “Ensino do projeto de arquitetura: identificação de paradigmas”, Luciana Pimentel conduziu uma pesquisa em que analisou o trabalho pedagógico desenvolvido em quatro turmas da disciplina Projeto Arquitetônico. Um dos professores participantes da investigação, durante entrevista, afirmou que “tanto o professor quanto o aluno estão sempre, ambos, implacavelmente na situação de estudantes” (PIMENTEL, 2003, p. 276).

Um aspecto importante a ser considerado no trabalho pedagógico é o fato de que o aluno que chega à universidade já passou por experiências diversas em escolas de educação infantil, fundamental e média e até em “cursinhos” preparatórios ao vestibular. Isso significa que ele “submeteu-se” às “regras escolares” por cerca de 13 anos. É muita coisa! Costuma ser um aluno “cansado” e até mesmo “traumatizado” pela vivência escolar. Isso não pode passar despercebido pelos professores universitários, que também passaram por essa mesma situação. Não se pode simplesmente desconsiderar todo o passado escolar do aluno e começar a trabalhar como se, a partir do momento em que ele inicia o curso de nível superior, ele fosse outra pessoa. Afinal de contas, trata-se da mesma pessoa, só que com muitas expectativas que, em alguns casos, não são satisfeitas devido ao tratamento pedagógico nem sempre adequado. Se nas escolas de educação básica os alunos costumam ser direcionados pelos professores, na universidade eles, às vezes, são entregues à própria sorte, sob a alegação de serem adultos que sabem o que querem. Será que sabem? As coisas não são bem assim. Faz parte do trabalho pedagógico universitário: conhecer com que experiências pedagógicas, principalmente de avaliação, os alunos chegam aos cursos de nível superior; valorizar essas experiências e enriquecê-las. Nisso consiste a formação da cidadania plena: domínio dos conhecimentos para a inserção social crítica.

Por outro lado, cabe, também, levar em conta quem é o(a) professor(a) universitário(a). Ele e ela também foram alunos que passaram por experiências escolares, incluída a avaliação, bem variadas: algumas positivas, outras nem tanto. Costumam ser profissionais bem sucedidos em sua área de atuação. Mas será que estão preparados para coordenar o trabalho pedagógico que os alunos merecem?

Na pesquisa que conduziram em uma universidade federal, já mencionada, Veiga, Resende e Fonseca (2000, p. 190) constataram como uma das questões mais críticas a formação pedagógica deficiente dos professores, que eram profissionais com bacharelado que assumiam a docência como outra opção de trabalho. Contudo, elas observaram que, se por um lado o fato de eles não terem formação pedagógica não chegou a anular seus esforços no sentido de realizarem trabalho competente, por outro, impediu que explorassem com maior profundidade as possibilidades do ensino com qualidade.

Coordenar o trabalho pedagógico supõe aprender a dominar progressivamente os saberes necessários à realização desse trabalho. Tardif (2002, p. 20) informa que os trabalhos dedicados à aprendizagem do ofício de professor evidenciam a importância das experiências familiares e escolares anteriores à formação. Acrescenta que

antes mesmo de ensinarem, os futuros professores vivem nas salas de aula e nas escolas […] tal imersão é totalmente formadora, pois leva os futuros professores a adquirirem crenças, representações e certezas sobre a prática do ofício de professor, bem como sobre o que é ser aluno. Em suma, antes mesmo de começarem a ensinar oficialmente, os professores já sabem, de muitas maneiras, o que é o ensino por causa de toda a sua trajetória escolar anterior. Além disso, muitas pesquisas mostram que esse saber herdado da experiência escolar anterior é muito forte, que ele persiste através do tempo e que a formação universitária não consegue transformá-lo nem menos abalá-lo (TARDIF, 2002, p. 20).

Tardif refere-se especificamente a cursos de formação de professores para atuarem na educação infantil, fundamental e média. Entendo que sua argumentação pode ser estendida ao trabalho de todos os docentes universitários, cuja atuação serve de exemplo para os futuros professores, deste mesmo nível, que não recebem formação pedagógica. Esses profissionais que optam pela carreira docente sem terem a formação desejável iniciam a sua preparação durante o curso de graduação, passando, mais tarde, por cursos de pós-graduação, espelhando-se em seus ex-mestres. A sua experiência como aluno pode determinar a sua maneira de atuar como professor. Afinal de contas, como diz Tardif (op. cit., p. 21), o saber dos professores provém de várias fontes e de diferentes momentos da história de vida e da carreira profissional. A formação desse profissional, mesmo de maneira não sistemática e ainda não intencional (no caso de professores universitários, que optam por essa carreira mais tarde), é a mais longa delas porque ele está em seu ambiente de trabalho muito antes de optar por essa profissão.

Um dos professores participantes da pesquisa conduzida por Pimentel, da disciplina Projeto Arquitetônico, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UnB, assim se manifestou durante entrevista:

Eu acho que nós devemos ter uma metodologia para ensinar os alunos como projetar. Para isso, é claro que devemos pensar uma forma pedagógica. Quando imagino que mais dia menos dia terei que fazer um mestrado, penso algo que seja nesse sentido. Talvez procurar uma metodologia mais científica de como ensinar, de como lidar com esse processo. Quando eu comecei a dar aula, tinha 27 anos; fiquei pensando nas coisas que não gostei que meus professores fizeram quando eu era aluna. Tenho lembranças de metodologias ruins e comecei a refletir sobre isso para tentar não cometer com os meus alunos os mesmos erros. Até hoje fico atenta para melhorar o processo de ensino, por isso comecei a perceber que, ao criticar os trabalhos dos alunos, isso causava um certo constrangimento; passei, então, a deixá-los dar suas opiniões primeiro. Isso melhorou muito, amenizou a situação. Na prática, você vai adaptando, vai criando uma metodologia, mas acho que é muito interessante para os professores que iniciam o processo docente passar por um processo de metodologia pedagógica. Quando eu entrei na UnB para dar aula perguntei: e agora? Como é que eu me oriento? Quem vai me ajudar? Não tinha ninguém. A gente se sente insegura, parece que falta algo. O que faz entender que o ensino que você dá não está perdido, são os alunos. Quando a gente percebe o interesse deles, que eles estão gostando e entendendo, isso é que nos indica se estamos num bom caminho ou num mau caminho. Quando eu acabei meu primeiro semestre, no final, os alunos me aplaudiram, eles demonstraram que gostaram de minha metodologia, mas esse processo poderia ter sido menos sofrido se eu tivesse um suporte pedagógico (PIMENTEL, 2003, p. 228).

A fala acima é reveladora do quanto professores e alunos podem sofrer com a situação de insegurança gerada pela falta de formação pedagógica do professor, que é o coordenador do trabalho pedagógico. Além desse aspecto, outros são apontados pela professora: as marcas deixadas pelo trabalho em que atuava como aluna são lembradas para que ela não repita com seus alunos as faltas que seus professores cometeram com ela; as adaptações que o professor se vê obrigado a fazer porque não costuma ter orientação segura de como agir (é bom lembrar que eles nem sempre têm a quem recorrer). Mas o mais interessante do depoimento é a afirmação de que o professor pode se apoiar no aluno porque este, por meio das suas reações, dá as dicas de como as atividades podem ser conduzidas. Porém, até para tirar proveito disso o professor necessita de, no mínimo, ter sensibilidade e comprometimento com o seu trabalho. Por fim, por que o professor precisa passar por um “processo sofrido” para aprender o seu ofício?   No presente caso, trata-se de uma professora jovem, que ainda não havia começado o curso de mestrado e que compreendia a necessidade de preparar-se adequadamente para a carreira docente. Sabemos que há um grande número de professores-pesquisadores que dominam o conhecimento da sua área de atuação, mas não se saem bem no trabalho junto aos alunos. Já ouvi comentários de alunos da UnB que, de modo geral, os professores que se dedicam a pesquisas, produzem e publicam nem sempre “dão boas aulas”. Eles consideram que os que não se dedicam a essas atividades mostram-se mais disponíveis para atendê-los.

O depoimento de outro professor de Projeto Arquitetônico, participante da mesma pesquisa, também indica a necessidade de formação pedagógica do professor:

O professor norteia o desenvolvimento e o desempenho do aluno/a. Porém, é natural que, havendo uma troca, ele próprio vai estar se enriquecendo, de uma forma ou de outra, na relação e com cada um dos trabalhos desenvolvidos sob a sua responsabilidade. Claro que isso se dá na medida do preparo e da experiência do professor e, sem dúvida, da capacidade e atuação de cada estudante e da turma como um todo. A ele cabe perceber o que o aluno traz e o que deve ser selecionado e desenvolvido; de onde se pode puxar o “fio da meada” para seguir em frente, “limpando” o que não se coaduna numa mesma pauta (PIMENTEL, 2003, p. 264).

Esse professor parece acreditar no trabalho pedagógico desenvolvido em parceria com o aluno.

Articulando a avaliação ao trabalho pedagógico

Resultados de pesquisas, observações informais e relatos de alunos nas disciplinas que tenho oferecido no Curso de Pedagogia e no Curso de Mestrado em Educação na UnB (em que trabalho com mestrandos e doutorandos de várias áreas do conhecimento) conduziram-me a selecionar, para efeito deste texto, quatro aspectos da articulação da avaliação ao trabalho pedagógico: o entendimento de que alunos e professores são parceiros na construção do trabalho pedagógico; a necessidade de se planejar a avaliação; o tratamento dado à avaliação nos cursos de formação de profissionais da educação (Pedagogia, licenciaturas e até mesmo em cursos de especialização; e o papel desempenhado pelos exames externos.

O entendimento do trabalho pedagógico como construção conjunta de professores e alunos traz, como conseqüência, o entendimento e a prática da avaliação como aliada de ambos. Não mais se admite a avaliação que classifica os alunos por meio de notas ou de conceitos e que visa a aprovar e a reprovar, simplesmente. De modo geral, o que acontece em cursos de nível superior é o professor aplicar e corrigir provas, registrar os resultados e devolvê-las aos alunos. Além disso, costumam ser solicitadas atividades, como produções de textos, relatórios, elaboração e desenvolvimento de projetos, trabalhos de campo e outras, entregues ao professor para avaliação. Este, após fazer suas observações, devolve ao aluno seus trabalhos, conservando apenas números e/ou palavras sobre o que foi realizado. Ao final do período letivo, ele recorre aos seus registros para emitir o julgamento final, em forma de nota ou menção. Contudo, não tem mais em mãos os trabalhos dos alunos, para que possa analisar a sua trajetória de aprendizagem. Nesse momento final, ele costuma tirar média dos números ou até mesmo das menções registradas. Em alguns casos, critérios como freqüência às aulas, entrega dos trabalhos nos prazos estabelecidos, participação e outros são usados para o “arredondamento” de notas ou menções. Não é comum a observação da produção do aluno durante o semestre, analisando o seu progresso, isto é, não se analisa como o aluno iniciou as atividades da disciplina, como as desenvolveu e como as concluiu. Nesse momento, o que geralmente ocorre é algo como colocar todos os alunos dentro de uma mesma caixa, sacudi-la para misturá-los e dela retirar um a um para compará-lo com critérios comuns. O ponto de partida de cada um não é levado em conta. O empenho colocado por cada um e o quanto cada um produziu nem sempre são considerados. A avaliação deixa de cumprir a sua função primordial: identificar e analisar o que foi aprendido, o que ainda é preciso aprender, para que se reorganize o trabalho com vistas à aquisição da aprendizagem. O mais importante não é a nota nem o ato da aprovação, mas a aprendizagem. Avalia-se, portanto, o trabalho executado.

Como esse trabalho é realizado conjuntamente por professores e alunos, não só o desempenho do aluno é avaliado, mas o trabalho pedagógico da turma/disciplina e a atuação do professor. No âmbito da universidade, essa prática integra a avaliação interna da instituição.

Uma das dificuldades enfrentadas pela avaliação tem sido o fato de somente o desempenho do aluno ser objeto de avaliação, o que corresponde à concepção de avaliação centrada no autoritarismo. Não é o caso de se transferir esse autoritarismo para a avaliação dos outros níveis, com o objetivo, por exemplo, de controle do trabalho do professor. Mais do que controlar as atividades do docente, afirma Dias Sobrinho (2003, p. 7), importa avaliar a docência e a formação que está sendo proporcionada. Em outras palavras: cabe avaliar o trabalho pedagógico. Essa avaliação compreende a avaliação interna da instituição ou auto-avaliação, devendo desenvolver-se de forma combinada à avaliação externa, tendo como “foco central o trabalho pedagógico e científico que produz a formação e os compromissos sociais da instituição” (DIAS SOBRINHO, op. cit., p. 20).

Nessa perspectiva de trabalho pedagógico e de avaliação, desloca-se o eixo da “aula” convencional, em que o professor sozinho tudo prescreve, para o eixo do trabalho desenvolvido por ele e pelo grupo de alunos. A avaliação deixa de ser classificatória, unilateral e excludente e passa a ser formativa, isto é, avalia-se para promover a aprendizagem. Nesse contexto, palavras como nota, menção, aprovação, reprovação, recuperação e reforço não fazem sentido. A palavra de ordem é aprendizagem, que significa aprender não apenas os conteúdos programáticos convencionais, mas as capacidades individuais e grupais necessárias à formação da cidadania crítica.

Na pesquisa conduzida por Pimentel, um dos professores da disciplina investigada assim se manifestou quanto às dificuldades enfrentadas para avaliar:

A mesma metodologia que nós utilizamos para ensinar nós também utilizamos para avaliar. Mesmo assim, tem uma parte da avaliação que é subjetiva mesmo, não tem jeito. Nós avaliamos o conceito e o projeto, tentando identificar as coerências entre a forma e as teorias, mas é complicado porque, depois da nota, o aluno contesta, usa os tais “recursos” e ainda fica falando: “professora, mas eu acertei o item entorno, o acesso, a unidade, isso, aquilo e aquilo outro”. Aí, nós falamos que, apesar de ter acertado determinados pontos, a arquitetura é pensada e sentida de forma global e se o global não ficou bom, não emocionou, então, como tirar SS? (PIMENTEL, 2003, P. 250).

O depoimento acima evidencia a presença permanente da avaliação em todo o processo de trabalho. O professor entrevistado percebe isso. Contudo, ainda está presente a necessidade da nota. Parece ser ela a garantia da seriedade e do rigor do trabalho.

Continuando sua argumentação, o professor entrevistado afirma:

Os alunos são muito espertos, eles sabem que, no fundo, o trabalho não ficou bom. Eles sabem que avaliar um projeto é complicado, envolve uma dimensão artística e uma série de coisas. Você consegue até avaliar um trabalho de urbanismo num nível quase totalmente científico, mas a arquitetura propriamente dita e a plasticidade dela são complicadas (PIMENTEL, 2003, P. 250).

Esse professor parece dizer que os alunos sabem avaliar a qualidade da sua produção mas, no fundo, o que lhes interessa é a nota. Não seria o caso de se planejar o processo avaliativo com a sua participação? Isso não evitaria a situação anti-pedagógica do “recurso”? A necessidade de os alunos recorrerem administrativamente para que se revejam os resultados da avaliação revela a sua desconfiança quanto  a esse processo, além de demonstrar que ele não foi construído coletivamente, o que não contribui para a formação da cidadania crítica.

Como as atividades de uma disciplina se realizam em um grupo constituído por professor e alunos, atuando em parceria, há momentos de tomada de decisão pelo grupo como um todo e, em outros, pelo professor, a quem compete coordenar o processo de trabalho. Nessa perspectiva, fica abolida a situação já consagrada em que os alunos “vão às aulas” ou simplesmente “assistem às aulas”, passivamente, esperando que tudo seja decidido pelo professor. A ênfase é posta no trabalho conjunto de alunos e professores.

Assim entendida, a avaliação formativa visa a promover a aprendizagem do aluno e do professor e ao desenvolvimento da instituição/curso; estas duas últimas dimensões são necessárias para que se dê a aprendizagem do aluno. Avalia-se, então, não somente o desempenho do aluno, mas o trabalho pedagógico da turma/disciplina e a atuação do professor.

A avaliação com essas características é de responsabilidade de toda a instituição/curso e, para isso, necessita de planejamento. Freitas (1995, p. 59) nos auxilia a compreender essa necessidade ao afirmar que a avaliação se atrela a objetivos, constituindo um par dialético importante porque norteia o par conteúdo/método. A avaliação e os objetivos são estreitamente interligados; “a avaliação é a guardiã dos objetivos”, isto é, eles estão expressos nas práticas avaliativas. Muitas vezes eles estão diluídos, ocultos, acrescenta Freitas, mas a avaliação é sistemática (mesmo quando informal) e age em estreita relação com eles. Isso significa que a avaliação não é neutra; cumpre objetivos, mesmo que não estejam explícitos. Os objetivos, explica Freitas,

demarcam o momento final da objetivação/apropriação. A avaliação é um momento real, concreto e, com seus resultados, permite que o aluno se confronte com o momento final idealizado, antes, pelos objetivos. A avaliação incorpora os objetivos, aponta uma direção. Os objetivos, sem alguma forma de avaliação, permaneceriam sem nenhum correlato prático que permitisse verificar o estado concreto da objetivação (FREITAS, 1995, p. 95).

Deve-se considerar, alerta Freitas, que os objetivos dos quais se fala não são somente os explícitos, mas, também, os ocultos, interiorizados a partir das imposições sociais. Essa é uma situação perceptível na universidade, porque ela forma o profissional que a sociedade requer. Uma ilustração disso é a situação encontrada na pesquisa realizada por Pimentel (2003, p. 249), já mencionada, em turmas de Projeto Arquitetônico. Numa das turmas investigadas, foi observada a prática de, ao final do desenvolvimento de projetos, os próprios alunos avaliarem os trabalhos classificando-os em “melhores” e “piores”. O motivo da utilização desse procedimento talvez esteja no fato de se considerar que os futuros arquitetos terão de enfrentar situações de competição. Ocorre que o trabalho pedagógico visa a formar para a cidadania crítica e não para a competição. O profissional bem preparado estará, conseqüentemente, em condições de enfrentar situações de competição. Porém, essa não é função do trabalho pedagógico universitário.

O processo avaliativo usado em uma disciplina, caso não seja discutido e negociado com os alunos e não lhes apresente claramente todas as “regras do jogo”, cumpre determinados objetivos: um deles é a formação do aluno para o simples cumprimento de ordens ou para a cidadania conformada, segundo o trabalho de Fedozzi. Já o processo que busque o diálogo e a participação do aluno na tomada de certas decisões terá, como um dos objetivos, a formação da cidadania crítica. A construção desse processo avaliativo requer planejamento porque admite-se que avaliar não se resume em elaborar e aplicar provas e atribuir notas. Planejar a avaliação é um processo contínuo e coletivo de reflexão sobre: que concepção de avaliação adotar? Vinculada ao desenvolvimento de qual trabalho pedagógico? Para formar que tipo de cidadão e de profissional? O que será feito com os resultados da avaliação? Quem participará desse processo de planejamento? O que levar em conta nesse planejamento? Que plano/instrumento resultará desse processo de planejamento? Para que servirá esse plano? Quem o usará? Como ele será avaliado?

O processo de planejamento da avaliação e a elaboração do plano dele decorrente incluem as dimensões política, social, ética e técnica. Costuma-se dar mais atenção à dimensão técnica, isto é, aos procedimentos ou instrumentos de avaliação. Porém, é importante salientar que estes resultam das outras dimensões. A escolha dos procedimentos ou instrumentos se baseia na concepção de avaliação adotada. O uso a ser feito dos resultados da avaliação depende do entendimento do seu caráter ético, assim como do entendimento da sua função social. A própria existência ou não do plano de trabalho de cada disciplina demonstra o tipo de compromisso político, social e ético do professor com o trabalho pedagógico que coordena. Nesse plano constam todas as informações sobre o processo avaliativo, para que o aluno não tenha que fazer as costumeiras perguntas: professor, você vai dar prova? Será objetiva? Haverá muitas questões? Será difícil? Quando e quantas serão as provas? Crooks (1988, p. 440) informa que a maneira de avaliar dá indicações preciosas para o aluno e pode determinar a forma como ele estuda. Provas de baixo nível cognitivo, por exemplo, podem levar a formas de estudar que não aprofundam o conhecimento de conteúdo.

O processo avaliativo é parte, pois, da organização do trabalho pedagógico da instituição e do curso como um todo, assim como do trabalho pedagógico da disciplina/turma/atividade, com os vários grupos de alunos.

O terceiro aspecto que passo a abordar diz respeito ao tratamento dado à avaliação nos cursos de formação de profissionais da educação (Pedagogia, licenciaturas e até mesmo em cursos de especialização – estes últimos têm sido oferecidos largamente). Enfatiza-se o caso desses cursos em função do seu caráter formador. Contudo, é importante considerar que todos os cursos universitários são responsáveis, em parte, pela atuação pedagógica dos professores desse nível porque, não passando por formação sistemática para a carreira docente, eles costumam reproduzir as práticas dos seus ex-mestres. As suas experiências como alunos geralmente servem de modelo para a sua atuação.

A pesquisa “A avaliação nos cursos de formação de profissionais da educação no DF: confronto entre a teoria e a prática”[3], realizada de 1998 a 2000,  constatou que, nos cursos de nível superior, a avaliação é tema incluído na disciplina Didática Geral, como último item do programa. Como conseqüência, não chega a ser discutido ou o é ligeiramente. Muitas vezes apenas um grupo de alunos é encarregado de “pesquisar” o tema e apresentá-lo aos colegas, o que faz com que não seja analisado por toda a turma. Outro achado da pesquisa foi o fato de a bibliografia dos planos de trabalho de Didática Geral não incluir livros e artigos atualizados, assim como não incluir nenhuma referência a dissertações, teses e relatórios de pesquisa. Outro resultado que merece reflexão foi a não-articulação dos estudos teóricos sobre a avaliação com a sistemática de avaliação dos alunos em todas as disciplinas. Cada professor avaliava os alunos a seu modo, sem levar em conta a sua atuação futura. Como eles são futuros profissionais da educação, esse fato é preocupante porque os cursos parecem não se comprometer com a formação dos profissionais para as necessidades da educação básica. Uma das perguntas aos professores de Didática Geral, durante entrevista, era: “Como você concilia os conteúdos que os alunos estudam sobre avaliação com a maneira pela qual são avaliados?” As respostas demonstraram que essa não era uma das preocupações dos cursos.

Tem-se, então, percebido a importância da articulação da teoria com a prática da avaliação. O que os futuros profissionais da educação vivenciam durante sua formação será marcante para a sua atuação acadêmica posterior. Assim, é preciso analisar o tratamento dado à avaliação nesses cursos: 1) em relação aos conteúdos estudados, em que disciplinas, de que forma, com quais objetivos, em quais momentos do curso e da disciplina e com que referencial teórico; 2) e em relação às práticas de avaliação do desempenho dos futuros profissionais da educação em todas as disciplinas do curso.

Resultados de pesquisas mostram que a avaliação costuma ser conduzida de forma fragmentada nos cursos, seguindo o exemplo da fragmentação do currículo em disciplinas quase sempre isoladas – cada professor tem o seu entendimento sobre avaliação e a sua própria maneira de realizá-la, geralmente sem partilhar a responsabilidade com o aluno e sem que haja unidade de ação entre os diversos professores. Isso faz com que os alunos tenham de descobrir “qual é a de cada professor” para que sobrevivam. Nos cursos de nível superior, de modo geral, a prova ainda é o procedimento predominante; como conseqüência, somente o aluno é avaliado e apenas pelo professor.

As considerações acima confirmam a necessidade de se planejar o processo avaliativo, no curso como um todo, isto é, pelo coletivo dos professores, com envolvimento dos alunos.

Em todas as nossas atividades cotidianas estamos sempre avaliando tudo e todos, mas é na escola que a avaliação é realizada de forma sistemática. A avaliação pode ser uma grande aliada da formação da cidadania crítica, desde que seja planejada com essa finalidade. Segundo Freitas (1995, p. 144), o par objetivos/avaliação é chave para compreender e transformar a escola.

O quarto e último aspecto que merece atenção é o papel desempenhado pelos exames externos (SAEB, ENEM, Exame Nacional de Cursos, o “provão”). Este tema faz parte hoje não só da agenda educacional, mas da política e econômica, o que nos obriga a incluí-lo em nossas análises e a buscar respostas para algumas perguntas: que impacto esses exames vêm provocando sobre o trabalho pedagógico dos cursos e de cada disciplina/atividade? Como conviver com essa situação? Como tirar proveito dela? Como conciliar a avaliação formativa, que nos cabe desenvolver, com a avaliação somativa, que apela para a competição? Que conseqüências os exames externos podem trazer para a formação dos profissionais, de modo geral, e, em particular, para a formação de professores e outros profissionais da educação? Quais as suas implicações para o desenvolvimento do trabalho pedagógico? Estas e outras são questões a serem debatidas pelo grupo de professores para que se compreenda a função social da avaliação e se selecionem as práticas avaliativas compatíveis com os objetivos a serem alcançados. Avaliar não é aplicar provas e atribuir menções, notas e conceitos, como costuma acontecer. Os resultados da avaliação conduzem os alunos a tomar decisões quanto à sua permanência ou eliminação do sistema de ensino.

Para encerrar a conversa …

Entendo que o desafio que se coloca hoje para todos nós, professores-formadores, já que contribuímos para a formação da cidadania crítica por meio de todas as disciplinas e atividades dos cursos, é a adoção de práticas avaliativas baseadas na reflexão, construção, criatividade, parceria, autoavaliação e autonomia, princípios que se referem tanto ao trabalho do aluno como ao do professor. Essa postura pedagógica e avaliativa pode conduzir à substituição da concepção de que o aluno vem à universidade para “assistir à aula” pela concepção de que ele desenvolve um trabalho que lhe pertence, isto é, de cuja formulação, execução e avaliação ele participa. A avaliação ganha outro sentido porque atrela-se à idéia de que o aluno é autor e produtor da sua aprendizagem, em lugar de visar à nota, à aprovação e à reprovação. Isso requer mudança não apenas na avaliação, mas na organização do trabalho pedagógico da universidade, dos cursos e das disciplinas/turmas/atividades. A mudança na avaliação será decorrência de mudanças na organização do trabalho pedagógico. O foco da avaliação será o trabalho realizado pelo aluno. Difícil? Talvez, porém compensador.

A pesquisa de Fedozzi encontrou que somente quem tinha (ao entrar no programa do OP) uma escolaridade igual ou superior ao nível secundário e universitário demonstrou (depois de oito anos e mais de OP) ter desenvolvido consciência social autônoma. Isso parece indicar que a escolaridade fez diferença associada à participação no OP depois de oito anos e mais. Fica a indagação: o trabalho pedagógico universitário, incluída a avaliação, está contribuindo para a formação da cidadania crítica? Por quê? Em que sentido?

Referências bibliográficas

CROOKS, T. J. The impact of classroom evaluation practices on students. Review of  educational research, 58 (4), 1988, pp. 438-481.

DEMO, Pedro. Formação de formadores básicos. Em aberto, Brasília, ano 12, n. 54, abr./jun. 1992, p. 23-42.

______. Ironias da educação: mudança e contos sobre mudança. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

DIAS SOBRINHO, José. Avaliação da educação superior: elementos para análise e proposta. Mimeo., 2003.

FREITAG, Bárbara. À margem do fórum social de Porto Alegre. Correio Braziliense. Brasília, 16/02/03, p. 5

FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas, SP: Papirus, 1995.

PIMENTEL, Luciana S. F. Caldas. Ensino do projeto de arquitetura: identificação de paradigmas. Brasília: UnB/Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2003, dissertação de mestrado.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

VEIGA, Ilma P. Alencastro. O cotidiano da aula universitária e as dimensões do projeto político-pedagógico. In CASTANHO, Sérgio e CASTANHO, Maria Eugênia (orgs.). Temas e textos em metodologia do ensino superior. Campinas, SP: Papirus, 2001.

VEIGA, Ilma P. A ., RESENDE, Lúcia M. G. de e FONSECA, Marília. Aula universitária e inovação. In VEIGA, Ilma P. A . e CASTANHO, Maria Eugênia L. M. Pedagogia universitária: a aula em foco. Campinas, SP: Papirus, 2000.

 

[1] Publicado em Avaliação – Revista de Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior. Campinas, v. 8, n. 4, 2003, p. 103-120.

[2] Para o autor, a qualidade formal refere-se a instrumentos e a métodos; a qualidade política refere-se a finalidades e a conteúdos (Demo, Pedro. Avaliação qualitativa. São Paulo: Cortez/Autores Associados, Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, 1987, p. 15).

[3] Pesquisa desenvolvida de 1998 a 2000, com financiamento da FAP/DF, pela equipe: Benigna Maria de F. Villas Boas (coordenadora); Ana Regina Melo Salviano, Lúcia Maria da Cruz Suzart, Luzia Costa de Sousa, Margarida Jardim Cavalcante e Miriam Silva Gomes.

 

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