A valorização de professores, das palavras à ação

Nexo, 05/11/2023

Mesmo com todos os desafios, oito em cada dez professoras e professores dizem que, se pudessem escolher novamente uma profissão, seguiriam optando pela docência

Nexo é um jornal independente sem publicidade financiado por assinaturas. A maior parte dos nossos conteúdos são exclusivos para assinantes. Aproveite para experimentar o jornal digital mais premiado do Brasil. Em outubro, nos deparamos com uma onda de homenagens e mensagens de gratidão dirigidas para professoras e professores. Seja nas redes sociais ou na TV, são conteúdos de todos os tipos sobre a importância e os desafios vividos por nós em forma de reconhecimento. Independentemente da forma, elas reverberam o mesmo sentimento: o professor tem o poder de transformar vidas.

Em muitas dessas homenagens, somos enaltecidos como entidade, pilar do conhecimento, arquiteto dos sonhos, guia na trajetória do aprendizado e catalisador de aspirações. As mensagens representam uma verdade fundamental: o papel do professor vai muito além da mera disseminação de informação. Somos, de fato, agentes do pensamento crítico, guardiões da criatividade e promotores de valores fundamentais. Mas é preciso ter cautela para não assumirmos, em meio ao reconhecimento bem-vindo, uma postura ingênua.

FICA EVIDENTE QUE UM BOM PROFESSOR, ATENTO À SUA RESPONSABILIDADE SOCIAL, DEVE CRIAR CONDIÇÕES DE INCLUSÃO E DE ACESSO AO CONHECIMENTO PARA AQUELES A QUEM O SABER COSTUMA SER NEGADO

É essencial que tenhamos discernimento. A sociedade nem sempre percebe os desafios que eventos sociais trazem para a sala de aula, criando barreiras entre o ensino e o aprendizado genuíno. O contexto socioeconômico e cultural de cada aluno, sua origem e situação familiar influenciam sua visão sobre a educação. É nesse cenário que a relação professor-aluno se torna uma força transformadora.

Em momentos críticos dentro ou fora da escola, professoras e professores têm papel incisivo de trazer para perto estudantes que não têm apoio ou força para seguir seus estudos. Como se, dentro de cada um de nós, tivesse uma crença forte que guia nossas atitudes: todos os alunos podem aprender. Fica evidente que um bom professor, atento à sua responsabilidade social, deve criar condições de inclusão e de acesso ao conhecimento para aqueles a quem o saber costuma ser negado. Em circunstâncias imprevisíveis e desafiadoras, como nas salas de aula, as relações humanas que se constroem são tão importantes quanto as práticas profissionais e as políticas públicas. Porém, para além das palavras, é fundamental que nossa valorização seja traduzida em ações práticas (e factíveis). Precisamos de políticas públicas robustas, integradas e coerentes que reforcem e valorizem a profissão docente. Políticas que reconheçam que ensinar não é fácil ou mera transmissão de conteúdo. Afinal, estamos cercados por vidas. Como em todos os campos profissionais, na educação é necessário dispor de conhecimento, capacidade, motivação, práticas específicas, formação continuada, salário digno e melhores condições de trabalho. Isso, consecutivamente, eleva a qualidade do aprendizado que será deixado em salas.

Os desafios de valorização e melhores condições de trabalho para o docente no Brasil são múltiplos. Em pesquisa de opinião recente realizada com professores de escolas públicas pelo instituto Ipec (encomendada pelo Todos Pela Educação, em parceria com o Itaú Social, Instituto Península e Profissão Docente), apenas um terço está muito satisfeito com a carreira. Além disso, nove em cada dez dizem que não são tão valorizados como médicos, engenheiros e advogados. No entanto, mesmo com todos os desafios, oito em cada dez professores dizem que, se pudessem escolher novamente uma profissão, seguiriam optando pela docência.

Para estruturar um conjunto sistêmico de políticas públicas, é importante pensar na trajetória dos docentes, que se inicia na graduação, a partir das licenciaturas ou da pedagogia. É necessário estabelecer incentivos para atrair cada vez mais jovens talentosos para a nossa profissão e garantir que tenham condições para se manter no ensino superior, já que a evasão nos cursos é alta. Além disso, estruturar bons programas de estágios em escolas de educação básica desde o início dos cursos é central. É de igual importância ainda enfrentar a proliferação dos cursos à distância – que representam 65% dos concluintes nos cursos de formação inicial, segundo os novos dados do Censo do Ensino Superior.

Já formados, para atuar na rede pública, precisamos prestar concursos públicos, que não acontecem com a frequência adequada. Atualmente, mais da metade dos professores das redes estaduais são temporários. Em relação às carreiras, precisamos de desenhos mais atrativos e estimulantes – hoje, a grande maioria está estruturada de forma que a progressão acontece por tempo de serviço e titulação, sem levar em conta elementos de desenvolvimento profissional. Tal como todos os outros profissionais, precisamos de boas condições de trabalho e muito apoio para o nosso desenvolvimento. Tudo isso, claro, considerando aspectos socioeconômicos, culturais e étnico-raciais, de modo a garantir equidade no cuidado e valorização de toda a categoria.

Diferentes pesquisas apontam que a prática pedagógica dos professores é o elemento que mais impacta a aprendizagem dos estudantes. E essa não é uma simples conclusão teórica: um levantamento, também feito pelo Todos Pela Educação, mostra que os próprios estudantes brasileiros consideram o corpo docente o aspecto mais importante para uma educação de qualidade.

Para além das datas de celebração, precisamos focar na mobilização para que as políticas docentes ganhem mais prioridade no debate público e, consequentemente, na agenda dos tomadores de decisão – sejam os líderes políticos ou gestores educacionais, que estão no Ministério da Educação e nas secretarias de Educação. Nesse movimento, é necessário também ampliar o espaço para que nós participemos mais da construção das políticas educacionais – já que temos uma visão privilegiada da escola e somos os principais responsáveis pela implementação das medidas formuladas nos gabinetes.

Sabemos cada vez mais que, para o Brasil ser um país melhor, é necessário melhorar a qualidade da nossa educação. Portanto, é central entendermos que educação de qualidade não será possível sem professores bem preparados, remunerados, motivados e com ótimas condições de trabalho. Em todas as salas de aula do país.

Janaína Barros é formada em pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia. Atua na rede pública há mais de 20 anos. Atualmente, é coordenadora pedagógica da Escola Estadual de Seabra, na região da Chapada Diamantina, na Bahia.

Ivan Gontijo é formado em economia, licenciado em matemática e mestrando em Gestão Pública. Foi professor na rede estadual do Mato Grosso. Atualmente, é gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.