Boletim histórico CASEB 1960-1990: plano educacional ambicioso e inovador, mas desacompanhado de respeito e de valorização dos professores

Boletim histórico CASEB 1960-1990: plano educacional ambicioso e inovador, mas desacompanhado de respeito e de valorização dos professores

No Boletim Histórico CASEB 1960-1990, de maio de 1990, quando a CASEB completou 30 anos, em sua abertura, Armando Hildebrand, que foi diretor executivo desse órgão, após apresentar a orientação do ensino, os professores, os prédios e equipamentos e os alunos, conclui:

“Ocorrência, fora do âmbito escolar, no entanto, criou estado de tensão e de angústia entre os professores, com alguma repercussão, é claro, no ensino. É que os professores foram alojados inicialmente, em sua maioria, nos apartamentos chamados “JK”, de apenas um quarto, sala, cozinha e banheiro. Havia famílias que ocupavam dois apartamentos. Mas passava o tempo e o antigo DASP, encarregado das moradias, não providenciava as casas prometidas aos professores. Houve protestos, insatisfações e até invasões de casas. O ambiente tornou-se tenso até que o problema foi aos poucos se ajustando. Foi lamentável essa primeira decepção do magistério de Brasília”.

Vivenciei esses episódios.  Para cá vim cursar o primeiro ano do Curso Normal, em 1960. Fui aluna da primeira turma que realizou o curso completo, primeiramente na CASEB, em 1960, e no Elefante Branco, em 1961 e 1962. Este último foi inaugurado em 1961, quando para ele se transferiram os cursos científico e Normal.

Morei com minha tia, a professora Clélia de Freitas Capanema, selecionada para integrar o primeiro grupo de professores. Ela era professora do Curso Normal e foi morar no bloco K da Quadra 412 Sul, um dos prédios chamados de JK, sala e quarto. Eu dormia na sala. Somente em 1960 ela e colegas receberam casa na Quadra 708, W3 Sul. Era uma casa bem pequena, nada semelhante aos apartamentos destinados aos outros funcionários públicos nas quadras 206, 208, 106, 107, 108, 109 Sul e outras. Naquela época, os funcionários do Banco do Brasil eram considerados de alto escalão e, para eles, foram construídos apartamentos nas Super Quadras 308 e 114 Sul. Também nestas super quadras foram construídos os melhores jardins de infância da rede pública. Aqui encerro a transcrição do depoimento do Diretor Executivo da CASEB e passo a apresentar o que vivenciei, por ter chegado em Brasília em 1960.

Os professores selecionados em 1961 foram morar no alojamento da CASEB, ao fundo da área da escola. Cada um tinha seu quarto. Como o governo estava demorando a lhes destinar moradia e não lhes dava nenhuma informação, no início de 1962 decidiram invadir as casas das antigas quadras 712 e 713 sul, reservadas ao BNDES. Estavam prontas e inabitadas. Tudo foi muito bem planejado. Sem que ninguém soubesse, a comissão encarregada de preparar a invasão endereçou uma casa a cada professor e, à meia noite, em silêncio, todos saíram da CASEB, descendo a W4, como em procissão, em direção às casas. Meu noivo, Márcio Villas Boas, professor da CASEB, fazia parte do grupo. Meu tio e marido da Clélia de Freitas Capanema, nessa época diretora da CASEB, em um carro DKV – Vemag, acompanhou o grupo, levando os pertences do Márcio e de colegas seus. O combinado era que, lá chegando, imediatamente, cada um tomasse posse da casa a si destinada e não mais saísse. Assim foi feito.

No dia seguinte, quando a notícia se espalhou, não houve aula, evidentemente, porque os que não estavam entre os invasores lhes deram apoio e fizeram greve. Policiais permaneceram no local. Tiveram início as negociações. Eu levava as refeições diariamente para o Márcio porque ele não podia pôr os pés fora da casa. Foram dias de angustiante espera. O presidente da República, João Goulart, após entendimentos políticos, concordou em ceder as casas para serem, futuramente, vendidas, o que realmente ocorreu. Ele exigiu que fossem imediatamente desocupadas para serem concluídas e cedeu um apartamento para cada professor no alojamento do Brasília Pálace Hotel, ao lado do Palácio da Alvorada. Além disso, foi disponibilizado um ônibus da CASEB, chamado de Elefante Branco, para conduzir o grupo ao trabalho, pela manhã, e ao alojamento, ao final do dia. No mês de janeiro de 1963 as casas foram entregues aos professores, que as financiaram para compra, pouco tempo depois.

Em 1964, quando teve início a ditadura militar, muitos professores foram presos e outros demitidos. Alguns que não estavam entre eles e que se desencantaram com o ambiente ameaçador que se instalou retornaram aos seus estados.

Assim o sonho acabou. O ambiente de medo se espalhou. O plano educacional ambicioso e inovador não foi acompanhado do respeito e da valorização do professor. Sem isso não há trabalho de qualidade.

Assim começou a luta dos professores em Brasília.