“Fica no ar a necessidade de as universidades prepararem para as novas demandas da economia”

 

“Fica no ar a necessidade de as universidades prepararem para as novas demandas da economia”

Benigna Villas Boas

Assisti em um canal de televisão, no início de setembro, a uma conversa entre um economista do Instituto Ayrton Senna, um doutor em Educação e profissional do IPEA e uma especialista do Itaú Social, oportunidade em que o apresentador assim colocou o tema: o grande desafio dos futuros governantes é o ensino no Brasil, que realmente prepare os jovens para as exigências do país. Que dê o conhecimento necessário para impulsionar a economia que cria empregos e renda. Pesquisa da OCDE indica que, acima dos 25 anos de idade, metade dos adultos não concluiu o ensino médio. O Brasil aumentou o número de crianças na escola, mas, à medida que os anos passam, elas vão deixando as salas de aula. A baixa escolaridade e a baixa renda formam uma relação que faz mal para as pessoas e o país. O aluno que está fora da escola vai impactar a economia do país. Fica no ar a necessidade de as universidades prepararem para as novas demandas da economia.

A tônica da conversa foi a preparação dos jovens para o mercado de trabalho, função que, segundo eles, a escola não vem cumprindo. É necessário refletir sobre esta concepção porque tanto a educação básica quanto a superior não se voltam apenas às necessidades do mercado de trabalho. Seu principal objetivo é contribuir para a conquista das aprendizagens, o que concorrerá para a inserção adequada no mundo do trabalho. Cabe lembrar que as crianças e jovens constroem saberes mais amplos que lhes possibilitam transitar em todos os setores sociais.

Resultados do IDEB e do SAEB foram enfatizados durante a conversa. O primeiro é um índice que pode contribuir para a elaboração de políticas educacionais, mas não retrata o trabalho pedagógico de cada escola porque ele combina o fluxo escolar e os resultados em provas do SAEB. Ter o índice afixado à entrada da escola, como tem acontecido e até exigido em alguns municípios brasileiros, pode causar injustiças e humilhar os profissionais que ali atuam e até mesmo os estudantes. Como funciona a instituição? Com quais condições? Quem são os sujeitos que ali trabalham? Como foram e ainda são formados? A obsessão que se criou por resultados pode desviar a atenção da escola da sua função de promover as aprendizagens de todos os estudantes, o que não foi mencionado na conversa em questão.

Em dado momento, foram apresentadas falas de alguns estudantes do ensino médio que reclamavam de falta de estrutura das escolas e de professores e de estes se preocuparem somente com aplicação de provas. Também o regime de semestralidade foi questionado.

Durante toda a conversa não esteve presente a palavra aprendizagem. Resultados foram a tônica. Ora, resultados podem ser considerados como decorrência ou consequência de um trabalho desenvolvido, e não o seu fio condutor. Resultados em exames fornecem informações gerais, que são importantes quando bem compreendidos e com propósitos definidos. Os participantes da conversa não abordaram duas necessidades fundamentais. A primeira é a de os sistemas de ensino ajudarem as escolas a compreenderem os resultados do IDEB e do SAEB para que se vejam ou não neles representados. Sozinha a escola talvez não consiga fazê-lo. Ela precisa se enxergar nos resultados gerais para que, de forma participativa, se reorganize para cumprir o que dela se espera. Tudo isso sem ter a nota como foco.

A segunda necessidade fundamental é a de as universidades participarem dessa análise para que não desenvolvam ações isoladas da educação básica, principalmente os cursos de licenciatura, que formam professores para nela atuarem. Universidades e educação básica se complementam e precisam atuar integradamente. Uma das integrantes da conversa mencionou essa necessidade, mas o tempo não permitiu ampliar a discussão, até porque os outros especialistas estavam mais preocupados com a formação para o mercado de trabalho.

Como o programa incluiu falas de estudantes, estas poderiam ter sido mais aproveitadas e analisadas, tendo em vista o tema da conversa. Dar voz aos estudantes é o primeiro passo para a reorganização do trabalho escolar. Fiquei imaginando o que eles estariam pensando se estivessem assistindo ao programa.

Lembrei-me de Arroyo (2017), que discorrendo sobre o direito à formação humana como referente da avaliação, entende que a defesa desse direito traz dimensões que politizam o direito à educação e politizam até a qualidade social. Uma das dimensões é “reconhecer que todos os educandos-educandas são Humanos. Sem condicionantes, inclusive sem o condicionante de um percurso escolar exitoso, de qualidade testada. Avaliada. Afirmar esse reconhecimento desconstrói o referente político-antiético e antipedagógico que legitima a insistente ênfase na avaliação de qualidade da escolarização como pré-condição para o reconhecimento de humanidade do povo” (p. 26). Cabe, então, refletir: a avaliação em seus três níveis: na sala de aula, institucional e em larga escala tem sido planejada e praticada levando em conta a formação ou a deformação humana?

Conclui o autor: “Toda avaliação dos humanos não tem sido des-humanizante na história?” (p. 29)

Não será des-humanizante entender que cabe às universidades prepararem para as demandas da economia? Só lhes cabe essa função?

Referência

ARROYO, Miguel. O direito à formação humana como referente da avaliação. In SORDI, Mara L. De; VARANI, Adriana; MENDES, Geisa do S. C. v. Qualidade(s) da escola pública: reinventando a avaliação como resistência. Uberlândia: Navegando, 2017.