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Incluir os excluídos

 

Reflexão anterior ao texto: a inclusão de estudantes nas universidades por meio de cotas não basta. Eles precisam ser acolhidos com a certeza de que construirão as aprendizagens necessárias à sua vida e ao trabalho que desenvolverão, não importando sua origem. Não há necessidade de serem anunciados como cotistas, para que não recebam este rótulo. Devem ser recebidos com naturalidade e ter ajuda, principalmente dos professores, como merecem todos os estudantes. Todo cuidado é pouco para que não se transformem em “excluídos do interior”, expressão adotada por Bourdieu e Champagne (1998), ao referirem-se ao que aconteceu nas instituições de ensino secundário francês nos anos 50. Elas conheceram uma estabilidade muito grande fundada na eliminação precoce e brutal das crianças oriundas de famílias culturalmente desfavorecidas. Uma das transformações que afetaram o sistema de ensino a partir dos anos 50, relatam os autores, foi a entrada no “jogo escolar” de categorias sociais que, até então, se consideravam excluídas da escola. Depois de um período de ilusão e mesmo de euforia, os novos beneficiários compreenderam, pouco a pouco, que não bastava ter acesso ao ensino secundário para ter êxito.

Os estudantes cotistas não podem fazer parte de um trabalho pedagógico que se transforme em um engodo, com o passar do tempo, “fonte de uma imensa decepção coletiva”, no dizer dos autores mencionados. Também não é justo que participem de práticas de “exclusão branda”, ou melhor, insensíveis, “no duplo sentido de contínuas, graduais e imperceptíveis, despercebidas, tanto por aqueles que as exercem como por aqueles que são suas vítimas” (p. 222).  

Um dos cuidados especiais cabe à avaliação para as aprendizagens, que costuma ser cruel e desarticulada do trabalho pedagógico. A avaliação informal, geralmente, despercebida, dá o tom do processo como um todo, dando a impressão de que o que conta é a avaliação formal. Este tema requer estudos e debates entre os professores universitários.

Referência

BOURDIEU, Pierre; CHAMPAGNE, Patrick. Os excluídos do interior. In NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. Escritos de educação (orgs). Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

Benigna Villas Boas

JC Notícias – 27/09/2018

Incluir os excluídos

Especialistas debatem as políticas inclusivas de cotas na Educação Superior

A exclusão escolar das camadas sociais mais pobres é histórica no Brasil, especialmente na Educação Superior. Com o objetivo de corrigir isso, nos últimos anos, uma série de medidas inclusivas foram colocadas em prática, como a política de cotas nas universidades públicas, que consiste na reserva de vagas para negros, indígenas e/ou brasileiros e brasileiras vindos das camadas mais pobres da população.

Este foi o tema da mesa “Quebrando tabus e mitos: com a palavra, a política de cotas”, no primeiro dia de debates do evento Educação 360, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (RJ). Organizado pelos jornais O Globo e Extra, o encontro internacional conta com apoio do Todos Pela Educação.

Antes de desconstruir algumas ideias pré-concebidas sobre as cotas raciais e sociais, o economista e professor do Insper Naercio Menezes apresentou o contexto socioeconômico brasileiro, para explicar a necessidade desse tipo de ação afirmativa. “Toda criança tem que ter as mesmas oportunidades onde quer que ela nasça no Brasil, mas não é isso que acontece. Hoje temos uma loteria da vida aqui: se você tiver a sorte de nascer em uma família de alto nível socioeconômico, você provavelmente vai se dar bem na vida; caso contrário, as chances são baixas”, explicou.

Segundo Menezes, há evidências que mostram que as cotas diminuem pouco a nota média dos alunos ingressantes. Ou seja: a qualidade do desempenho dos estudantes não sofre queda com a entrada dos cotistas nos cursos superiores. Além disso, esses alunos costumam apresentar desempenho similar ao dos alunos não cotistas. “As habilidades socioemocionais, como a resiliência, são maiores entre cotistas por causa do histórico de vida – eles estão acostumados a batalhar pelas coisas”, explicou. Além disso, de acordo com o economista, as cotas trazem maior diversidade, justiça social e estímulo para novos ingressantes no ambiente universitário.

Opinião semelhante tem Gersem Baniwa, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e especialista na formação docente indígena. De acordo com ele, as cotas ampliaram e democratizaram o acesso dos indígenas à Educação Superior. “Em 15 anos, esse número foi multiplicado por dez: hoje, temos 44 mil indígenas matriculados”, explicou Baniwa.

Segundo ele, os indígenas contam hoje com vários tipos de ações afirmativas, tais quais as cotas /reserva de vagas; processos seletivos e cursos específicos; bolsas e programas de bonificação. Entre os benefícios deste processo, Baniwa cita o esforço em superar a política colonial do Brasil, reconhecendo a diversidade e a pluralidade de etnias presentes no território, além de abrir diálogos entre esses saberes e culturas – muitos dos quais sofrem com a perspectiva de extinção. “A formação superior para os indígenas deve ser diferenciada pois somos diferentes culturalmente”, ressaltou o professor. “Não somos subcultura da cultura brasileira. Somos outra cultura”.

Obstáculos

Apesar da inclusão progressiva dos jovens indígenas no sistema educacional, Baniwa afirma que existem muitos desafios a serem superados, como a discriminação, a ausência de políticas de acolhimento e os currículos monoculturalistas dos cursos superiores, que não privilegiam os saberes desses povos.

Patrícia Santos, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), concorda com a ideia de que o estereótipo dos alunos cotistas, sejam negros ou indígenas, ainda persiste no ambiente universitário. “A minha chegada à universidade foi marcada por acharem que eu era para ser parte da equipe de faxina e não professora”, lembra ela.

Como negra, Patrícia afirma que reforçar esse tipo de estigma é prejudicial para os jovens pretos, que já sofrem com o que se chama de genocídio do jovem preto, termo usado pelos estudos sociológicos para se referir à alta taxa de mortalidade entre essa faixa etária da população negra, e com a criminalização da pobreza.

Todos pela Educação

 

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