Inteligentes demais para serem cientistas

JC Notícias – 03/12/2020

Pesquisadoras brasileiras estudam o quanto influem as tentativas de pais e professores de afastar as meninas das carreiras científicas menos valorizadas

Ambas conseguiram transformar a curiosidade quando eram crianças numa profissão. Mas chegar lá significou enfrentar a falta de referências e… o fogo amigo. Quando se conheceram num curso de pós-doutorado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), as duas biólogas brasileiras descobriram que tinham uma desagradável experiência em comum: a de lutar contra as tentativas de familiares e professores para que escolhessem outra carreira com mais futuro.

“Me disseram que ser bióloga era um desperdício para minha inteligência”, explica Luciana Leite (Salvador, 1986). “Que era melhor eu estudar medicina.” Assim ganharia mais e viveria melhor, com mais estabilidade, disseram. “Agora sou doutora, mas em Biologia”, diz ela, com um sorriso de satisfação durante uma recente entrevista que ambas concederam por videoconferência.

Luisa Diele-Viegas (Rio de Janeiro, 1992) é a primeira cientista de sua família. Diz que seus pais a apoiaram, sim. O que não esperava era que, em sua primeira aula de zoologia, o professor desanimaria os alunos abertamente. “Se vocês estão aqui para ganhar dinheiro, podem ir embora. Se é para desfrutar, boa sorte!”, disse o professor. Ela, que chegava toda entusiasmada, sofreu uma decepção imensa, mas teve perseverança.

Juntas, as duas biólogas realizam hoje uma pesquisa para medir a influência de parentes, professores e amigos para que as meninas desistam de empreender carreiras em ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Os protagonistas do experimento são alunos de uma escola pública de Lauro de Freitas, cidade da zona metropolitana de Salvador, na Bahia. Estudantes de lares humildes. Com frequência, as famílias desconstroem em casa o que construímos na sala de aula, confessou-lhes uma professora no primeiro encontro (virtual) com as cientistas.

Leite e Diele-Viegas escreveram recentemente um artigo na revista Nature intitulado Too Intelligent for the Life Sciences in Brazil: How Two Female Researchers Fought Back (Inteligentes demais para a ciência: como duas brasileiras reagiram), em que relatam sua experiência e anunciam a pesquisa que detalham ao EL PAÍS. A primeira conversa de Foz do Iguaçu, a segunda de Maryland, nos Estados Unidos. Sua hipótese é que, em países como o Brasil, onde a ciência é subvalorizada e submetida a cortes radicais, os esforços para que os filhos, alunos ou amigos desistam de seus sonhos de se tornarem cientistas, assim como a pressão para que escolham carreiras mais lucrativas, são ainda mais intensos no caso das meninas. Esse fator soma-se a obstáculos tradicionais, como a ausência de modelos a seguir.

Leia na íntegra: El País Brasil