Papel do conselho de classe no contexto de ensino remoto

Benigna Villas Boas

A Circular nº 262/2020 da SEE/SUBEB, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, do dia 24/11/2020, apresenta orientações/informações com vistas ao encerramento do 2º semestre/ano letivo de 2020. O seu primeiro item tem como título “O papel do conselho de classe dentro do contexto do ensino remoto”. Contudo, esse papel não é apresentado. É ressaltada “a autonomia pedagógica do professor e a do conselho de classe e sua responsabilidade/competência em identificar, analisar e propor elementos e ações para serem articuladas pela e na unidade escolar, reconhecendo o que os/as estudantes aprenderam, o que ainda não aprenderam, além daquilo a ser feito por todos(as) para que as aprendizagens aconteçam” (p. 1). Também são apontadas as atribuições deste órgão colegiado. Mas, não se toca no que lhe cabe no contexto do ensino remoto, o que seria de fundamental importância, em função da necessidade de a avaliação assumir concepção e práticas condizentes com esse novo formato de trabalho pedagógico.  

Ao afirmar que o conselho de classe “deve ser um momento de reflexão, de diálogo que trará propostas de intervenção no trabalho pedagógico da unidade escolar”, o documento perdeu a oportunidade de discorrer sobre como isso pode ser efetivado durante o ensino remoto. Tal documento dá ênfase aos procedimentos administrativos para o encerramento do 2º semestre/ano letivo.   

Dentre as atribuições desse conselho, se insere a de “deliberar sobre os casos de aprovação, reprovação e avanço de estudos …”. Ora, estamos passando por situação de excepcionalidade. O que importa agora não são a aprovação e a reprovação, mas a continuidade das atividades pedagógicas, no próximo ano, para que os estudantes aprendam.  

Vejamos o seguinte fato concreto, que pode ilustrar o que está acontecendo na rede pública de ensino do DF. A mãe de Antônio, nome fictício de um menino de 11 anos que cursa o 5º ano do ensino fundamental em uma escola pública do DF, contou-me que, assim que as aulas passaram a funcionar remotamente, ela comprou  um computador e instalou internet em sua casa, para lhe dar condições de acompanhar as atividades (ela conta com recursos bem limitados e isso lhe trouxe dificuldades financeiras). Relatou-me que o menino, a princípio, ficou empolgado. Uma única professora interage com ele e mais 8 colegas, somente uma vez por semana, de 14 às 16h, em apenas duas disciplinas: Português e Matemática. Durante todo o ano de 2020 não foram desenvolvidas atividades de Estudos Sociais e Ciências. A turma, inicialmente, era constituída por cerca de 40 crianças. Onde estarão as outras? Fazendo o quê? Atividades impressas?

Durante esse período, a professora não pôde trabalhar durante um mês: não houve substituição nem reposição de aulas remotas.

Diante disso, indago: como o conselho de classe poderá deliberar sobre aprovação/reprovação nessas circunstâncias? O currículo não foi desenvolvido. As crianças não aprenderam o que estava previsto para o 5º ano. Haverá aprovação ou reprovação? Nenhuma das duas formas seria justa. Não seria o caso de estarem sendo planejadas situações de continuidade do trabalho no próximo semestre, em lugar de decidir sobre aprovação e reprovação? Antônio, por exemplo, não teve aulas de outros componentes curriculares. Outros Antônios deverão existir. Estou curiosa por saber o que acontecerá com Antônio, cuja mãe lhe deu o que precisava para acompanhar as aulas remotas.   

Invocando a autonomia do conselho de classe, a SEDF está “lavando as mãos” e atribuindo a este conselho uma responsabilidade que é sua, para dar tranquilidade a toda a comunidade escolar. Como, tradicionalmente, concluímos o ano letivo concedendo aos estudantes aprovação ou reprovação, parece-me que todos aguardam esse veredito. Mas estamos passando por um ano atípico, que requer novas soluções. Neste final de ano, não cabe às equipes da SEDF imporem normas para aprovação/reprovação, mas mapearem como o trabalho pedagógico se desenvolveu para que se garanta sua continuidade no próximo ano, sem perdas pedagógicas. É urgente termos em mente: NÃO ESTAMOS VIVENCIANDO UMA SITUAÇÃO DE NORMALIDADE. PRECISAMOS RACIOCINAR E DESCOBRIR NOVAS FORMAS DE TRABALHAR E AVALIAR. As escolas estão ansiosas por orientações seguras.  

A circular reforça a necessidade de se desenvolver a “recuperação processual e contínua, com vistas a resgatar lacunas nas aprendizagens dos estudantes” (p. 4). Que esta fase de pandemia nos possibilite repensarmos velhos hábitos educacionais, como o da “recuperação de aprendizagem”, e buscarmos novas soluções para velhos problemas.

Quero ressaltar que meu propósito com esta análise não é desmerecer o trabalho das equipes da SEDF. Entendo que a legislação educacional ainda impõe diretrizes arcaicas que não contribuem para o avanço do trabalho pedagógico e da avaliação que o integra. Mesmo assim, é possível driblar certos dispositivos legais, como os da aprovação, reprovação e recuperação de estudos.  

Como sempre, coloco-me à disposição para estudos conjuntos.