“Se você fosse professor de ‘felicidade’, reprovaria um aluno?”

“Se você fosse professor de ‘felicidade’, reprovaria um aluno?”

Em outra publicação apresentei a reportagem com o título: UnB é primeira universidade pública a oferecer disciplina sobre “felicidade”. Aqui pretendo me manifestar sobre o assunto.

Considero “feliz” a iniciativa de criação desse componente curricular. Universidade é lugar de universalidade de ideias. O momento tão conturbado como o que enfrentam nosso país e o mundo justifica convidar os jovens de diferentes cursos para exporem suas inquietudes e, colaborativamente, vislumbrarem caminhos mais amenos. Sabemos que há disciplinas e professores na universidade verdadeiramente opressores. Há necessidade disso? O ato de aprender precisa ser doloroso? Alguns estudantes chegam a abandonar seus cursos. É esse o papel de uma casa de educação? Seriedade e rigor têm de oprimir e até mesmo constranger?  

Cumprimento o professor Wander Pereira da Silva, que tomou a iniciativa de propor a criação de uma disciplina sobre felicidade. Assistindo a um programa de televisão no dia 23/07/2018, chamou-me a atenção como os participantes da conversa reagiram à notícia introduzida pela emissora. Logo no início, um dos comentaristas, jocosamente, perguntou: “se você fosse professor de felicidade, reprovaria um aluno?”. Ele parecia debochar da disciplina. Pois é. Sabemos que a avaliação comumente traz inquietação, principalmente com relação à aprovação e à reprovação. O comentarista não demonstrou interesse pelo que a disciplina poderá representar. Continuou fazendo piada sobre ela. Manifestou descrença quanto à sua utilidade e seriedade.

Não é tarefa fácil planejar o processo avaliativo de uma disciplina que foge ao lugar comum e se orienta pelos seguintes objetivos: “Proporcionar um espaço de vivências favoráveis a uma boa qualidade de vida no ambiente acadêmico. Apresentar estratégias comportamentais e cognitivas que possam auxiliar o estudante a lidar com os fatores estressores do dia-a-dia. Cultivar o autoconhecimento, a solidariedade, o respeito às diferenças e o diálogo no ambiente acadêmico”.

Como objetivos e avaliação caminham juntos e têm a função de nortear os conteúdos e a metodologia de trabalho, cuidado especial tem de ser conferido a cada um deles para que se atrelem e constituam o par ideal. No plano de ensino da disciplina encontram-se:

“Estratégias: Aulas dialogadas com atividades individuais e em grupo. Vivências e dinâmicas de grupo.

Leituras e construção coletiva de textos, teatro, música, web pages, games ou vídeos. –

Avaliação: Participação ativa nas atividades propostas = 60 pontos. – Produção e apresentação de texto, peça de teatro, música, vídeo ou game = 40 pontos. – Critérios para aprovação: > 75% de presença nas aulas; ≥ Nota Final (NF) 5,0. – Recuperação: tem direito a recuperação NF > 3,0 e < 5,0”.

As palavras-chave dos objetivos são: vivências; fatores estressores do dia a dia; autoconhecimento; solidariedade; respeito às diferenças; diálogo.

As palavras-chave das estratégias são: aulas dialogadas; atividades individuais e em grupo; vivências; dinâmicas de grupo; leituras; construção coletiva de textos; teatro, música, web pages, games ou vídeos.

As palavras-chave da avaliação são: participação ativa; produção e apresentação de texto, peça de teatro, música, vídeo ou game.

Complementando o processo avaliativo, o plano inclui critérios numéricos para aprovação e para “recuperação”.

A UnB exige que se apresente o resultado do desempenho de cada estudante por meio de uma menção, mas o professor tem autonomia para adequar o processo avaliativo às especificidades de cada disciplina. Certamente o professor da disciplina em questão vai perceber, ao logo de semestre, que a avaliação não precisa ficar presa ao seu formato tradicional, que dá ênfase à reprovação, à aprovação, à recuperação e à quantificação. Acredito que ele vai sentir necessidade de construir o trabalho pedagógico, juntamente com os estudantes, que inclua as palavras-chave presentes nos itens do plano. Por exemplo: a participação não necessita ser considerada à parte nem ser medida por pontos. Ela se faz presente o tempo todo. Mas não é quantificável. Apresenta-se de várias formas: nas vivências, nas aulas dialogadas, nas dinâmicas de grupo, na construção coletiva de textos etc. Todas as atividades poderão ser avaliadas de maneira compartilhada: professor/estudantes e estudantes/estudantes. A autoavaliação pelos estudantes é um recurso imprescindível. Contudo, não consistirá em um instrumento elaborado pelo professor, a ser preenchido pelos estudantes nos momentos por ele estipulados, nem exigirá que se atribuam uma menção. Não é esta a concepção emancipatória de autoavaliação.

O portfólio e o registro reflexivo poderão constituir outros recursos enriquecedores, nos quais os estudantes registram e analisam as aprendizagens construídas. Feito isso, o processo avaliativo estará completo e comprometido com as aprendizagens. Menção, aprovação e reprovação serão meros itens burocráticos.

Desejo ao professor Wander Pereira da Silva, responsável pela disciplina, toda a “felicidade” nesse trabalho que promete ser promissor. Cabe destacar o nome da disciplina – Tópicos especiais em Engenharias: Felicidade.